Os contaminantes emergentes (CE) são compostos de diversas origens e natureza química, cuja presença no meio ambiente não foi considerada no passado e, portanto, ainda não são monitorizados de forma regular nas águas residuais urbanas. Compreendem uma ampla gama de compostos químicos, como fármacos, produtos de higiene pessoal, retardantes de chama, surfactantes, plastificantes e aditivos industriais, entre outros. Considerando a relevancia ambiental destes compostos, a União Europeia aprovou recentemente uma nova diretiva de tratamento de águas residuais urbanas, que obriga a monitorizar a presença e eliminação destes contaminantes, mas que poderá implicar elevados desafíos para a sua implementação.
Neste contexto, o Projeto Bluewwater – Monitorização, tratamento e redução de microplásticos e contaminantes de preocupação emergente nas águas residuais urbanas e no ambiente costeiro transfronteiriço, é financiado pelo Programa Interreg VI-A Espanha–Portugal (POCTEP) 2021– (https://bluewwater.eu/pt/bluewwater-portugues/), tem como objetivo principal melhorar a qualidade das massas de água fluviais, de transição e costeiras através do controlo, da monitorização e da avaliação das emissões de microplásticos e Contaminantes Emergentes para o ambiente aquático em ambas as regiões, assegurando uma utilização sustentável dos recursos hídricos, de modo a contribuir para a implementação da nova legislação comunitária focada no tratamento de águas residuais. Bluewwater envolve um consórcio de 11 entidades da Galiza e do norte de Portugal, incluindo universidades, centros tecnológicos, organismos públicos e entidades ambientais.
O BlueWWater dá continuidade às sinergias estabelecidas por projetos anteriores como o NOR-WATER e pretende fortalecer a cooperação transfronteiriça na gestão sustentável da água como recurso partilhado.
No âmbito das actividades de comunicacão e transferência de BlueWWater, na passada sexta-feira, 4 de julho, teve lugar na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto ,o workshop “Risco ambiental de Poluentes de preocupação emergente em águas residuais urbanas: ferramentas de monitorização biológica, química e métodos avançados de tratamento e de modelação”. O evento reuniu cerca de 80 participantes, entre peritos e stakholders da área, tais como administrações e órgãos governamentais responsáveis pelo controle, monitorização, gestão e / ou melhoria da qualidade da água; laboratórios de monitorização e controle, empresas responsáveis pela depuração da água, empresas de desenvolvimento tecnológico, centros de investigação, faculdades, centros tecnológicos, assim como técnicos, estudantes e membros da Rede Norwater, uma rede colaborativa para deteção e tratamento de contaminantes emergentes nas águas portuguesas e da Galiza, e que conta já com 70 membros coletivos. O workshop permitiu discutir alguns dos principais resultados do projeto e abordar os principais desafíos do sector.
A sessão de abertura contou com a presença da diretora da FCUP, Prof. Cristina Freire, que sublinhou a importância de integrar novos tratamentos no processo de depuração para melhorar a qualidade das águas. A seguir, doutora Teresa Neuparth e o Prof. Miguel Santos (CIIMAR/FCUP) deram as boas-vindas aos participantes e apresentaram o enquadramento científico e institucional do evento. A doutora Marisa Fernández (CETMAR) apresentou o projeto BlueWWater, destacando a rede de cooperação que possibilitou a realização do evento.
Fig. 1. Cristina Freire, Teresa Neuparth, Marisa Fernández e Miguel Santos dando as boas-vindas.
A primeira intervenção técnica coube à Eng. Cristina Gonçalves, da empresa Águas do Norte, que apresentou em detalhe a nova Diretiva de Águas Residuais Urbanas (DARU), analisando os principais artigos e mudanças previstas, a partir da experiência na gestão de 179 ETARs.
Fig. 2. Cristina Gonçalves, da Águas do Norte, apresentando a nova DARU.
Seguiu-se a intervenção do doutor Luis Vieira (CIIMAR), que abordou a presença de microplásticos no meio ambiente, com dados atuais sobre lixo marinho e resultados de um estudo recente em que foram encontrados microplásticos em peixes selvagens do Atlântico Norte. Apresentou também os projetos MAELSTROM e INSPIRE, que utilizam barreiras de bolhas para remoção de lixo dos fundos marinhos e valorização dos resíduos plásticos para a criação de mobiliário. Mencionou ainda o uso de membranas de filtração no rio Douro para retenção de micro e nanoplásticos.
Fig. 3. Luís Vieira, do CIIMAR, abordando o problema dos microplásticos nos ecossistemas marinhos.
A prof. Rosario Rodil (Universidade de Santiago de Compostela) apresentou as ferramentas analíticas avançadas desenvolvidas pela sua equipa, capazes de detectar e quantificar um amplo espectro de contaminantes emergentes nas águas residuais. Estas metodologias, aplicadas no âmbito do projeto BlueWWater, são fundamentais para avaliar o cumprimento da nova Diretiva e fornecer informação robusta e detalhada sobre a presença de micropoluentes, contribuindo para melhorar a eficácia dos sistemas de monitorização e apoio à decisão.
Fig. 4. Rosario Rodil, da USC, apresentando as metodologias de análise para os CECs.
A doutora Ana Gomes (FEUP) expôs os novos tratamentos quaternários testados em escala piloto, agrupando-os em processos físicos (como a nanofiltração e osmose inversa), e processos químicos (como os fotoreatores e ozonização). Citou projetos como NOR-WATER, SERPIC e OZONE4WATER, centrados na remoção de contaminantes emergentes.
Fig. 5. Ana Gomes, da FEUP, explicando os novos tratamentos quaternários.
Após a pausa para café, o doutor Juan Bellas (IEO-CSIC) destacou o papel da ecotoxicologia na avaliação de risco ambiental, utilizando bioensaios com microalgas e larvas de ouriço-do-mar. Salientou que muitos produtos degradados mantêm a sua toxicidade, propondo um enfoque ecotoxicológico integrador.
Fig. 6. Juan Bellas, do IEO, na sua apresentação sobre efeitos ecotoxicológicos.
A doutora Isabel Iglesias (CIIMAR) apresentou o uso de modelos numéricos e hidrodinâmicos para identificar zonas de risco (“hotspots”) e apoiar a modelação ecológica de doutora Irene Martins (FCUP), com simulações de cadeias tróficas e análises de risco. Os modelos foram complementados com uma revisão bibliográfica dos efeitos dos microplásticos em diversos organismos marinhos, incluindo cnidários.
Fig. 7. Isabel Iglesias (CIIMAR) e Irene Martins (FCUP) explicando o funcionamento dos modelos de hidrodinâmica e ecologia, respetivamente.
A dra. Jessica Pérez (CETAQUA) apresentou os resultados preliminares da avaliação ambiental de tratamentos de águas residuais com a metodologia de Análise de Ciclo de Vida (ACV), utilizando o modelo USEtox.
Fig. 8. Jessica Pérez, da CETAQUA, apresentando os resultados da análise de ciclo de vida.
Os prof. Cristiano Soares e Prof. Fernanda Fidalgo (FCUP) concluíram as apresentações técnicas com uma exposição sobre a valorização agrícola das águas tratadas, destacando o seu potencial como fonte de nutrientes e matéria orgânica para os cultivos, e os estudos de stress vegetal em espécies-alvo.
Fig. 9. Cristiano Soares e Fernanda Fidalgo (FCUP) na sua apresentação sobre a reutilização da água para fins agrícolas.
A manhã terminou com uma mesa redonda moderada pelo Prof. Miguel Santos e doutora Teresa Neuparth, com a participação de representantes do painel consultivo do projeto: Eng. Vitorino José (APA), Eng. Luísa Lopes (SIMDOURO), Eng. Adelaida Rocha (Águas e Energia do Porto), dra. Nieves Carro (INTECMAR) e a dra. Leonor Cruz (CMIA Viana do Castelo). Foram discutidas estratégias para enfrentar os desafios colocados pela nova DARU e o papel das diferentes entidades na sua implementação.
Fig. 10. Membros do painel consultivo no debate final da jornada.
Em resumo, os resultados do projeto apontam para a necessidade de validar novas tecnologías para melhorar a eliminação destes compostos, uma vez que as tecnologias atuais não asseguram níveis de eliminação compatíveis com os requisitos establecidos pela nova diretiva (DARU). A reunião permitiu ainda identificar os principais desafíos associados com esta transição, que se espera terá um papel central na melhoria da qualidade do efluente final das ETARs, a proteção do meio recetor e da saúde humana.
As apresentações utilizadas durante o workshop estão disponíveis para consulta:
- O projeto BlueWWater. Marisa Fernández – CETMAR
- Nova Diretiva sobre Águas Residuais Urbanas (DARU): principais desafios para a sua transposição e implementação. Cristina Gonçalvez – Águas do Norte
- Microplásticos no meio ambiente, projeto MAELSTROM: riscos e desafios. Luís Vieira – CIIMAR
- Novos métodos avançados de monitorização química no âmbito da DARU. Rosario Rodil – USC
- Novos métodos de tratamento quaternário de águas residuais urbanas. Ana Gomes – FEUP
- O papel da ecotoxicologia na avaliação do risco de contaminantes de preocupação emergente em águas residuais urbanas. Juan Bellas – IEO-CSIC
- Ferramentas de apoio à avaliação do risco ambiental: modelação ecológica e numérica. Isabel Iglesias e Irene Martins – CIIMAR/FCUP
- Ferramentas de apoio à avaliação do risco ambiental: metodologia ACV dos sistemas de tratamento. Jessica Pérez – CETAQUA
- Métodos avançados de avaliação da qualidade da água com vista à reutilização. Fernanda Fidalgo e Cristiano Soares – FCUP